Muitas pessoas nos perguntam sobre como desenvolvemos a Pedagogia de Projetos na CASA de Aprendizagens. O fato de não nos apoiarmos em livros didáticos ou em apostilas de fácil reprodução ainda gera dúvidas acerca de como construímos o nosso processo educativo em diálogo com as diferentes áreas do conhecimento.

Por isso, neste artigo, falaremos do trabalho em torno do Tema Provocador de Experiências Investigativas da Primeiríssima Infância ao Fundamental I: “Brasil: Uma História Preta e Indígena”. E, mais especificamente, exemplificaremos com três experiências significativas de aprendizagem, o como ele está sendo pesquisado a partir do livro Kuami, de Cidinha da Silva.

Cidinha da Silva, autora do livro Kuami em palestra na Casa de Aprendizagens, em 2020.

Já falamos aqui sobre a autora Cidinha da Silvia, bem como sobre a poeticidade e o teor da narrativa que ela tece em Kuami, quando abordamos o Mapa Conceitual. Cabe apenas reforçar que Kuami é uma história de resistência, união e liberdade, sobre continuidades e rupturas entre Áfricas e Brasis. Por isso também, é uma história sobre diferentes culturas, costurada por diversos ritmos, sons, musicalidades, cores e sabores.

Uma obra com tantos estímulos sensórios não poderia ser apresentada às crianças por meio de uma “simples” leitura. A fim, portanto, de que este primeiro contato aguçasse a criatividade dos meninos e meninas, os educadores e educadoras da nossa Casa realizaram uma contação da história. Ligada às tradições orais, a contação de histórias envolve ações e gestos, instrumentos musicais, figurinos e adereços, além é claro, da palavra.

 Assim, a contação de histórias desperta o lado lúdico da criança, potencializando sua sensibilidade, imaginação e criatividade. Essa é uma importante ferramenta para estimular a observação, a reflexão, a memória e o senso crítico. Na CASA de Aprendizagens, esse procedimento também ajuda a aguçar a curiosidade das crianças para as pesquisas realizadas em torno da obra. Além de suscitar diferentes sensações em quem escuta uma história.

Estabelecido esse primeiro contato, a obra de Cidinha da Silva tem permeado os dias e preenchido as intencionalidades das propostas vividas pela Turma 2 da Educação Infantil. Com os educadores Henrique Mattos e Sofia Keunecke, nossos meninos e meninas tiveram contato com os universos ancestrais do pai e da mãe de Janaína: Hércules Baiacu e Naomi dos Palmares. E, por meio deste ponto de partida, puderam explorar alguns elementos do Reinos das Matas e do Reino das Águas.

Esses elementos, Reinos das Matas e do Reino das Águas, nos permitiram investigar as raízes culturais da sereia Janaína e, desta forma, nos ajudaram a entender quem ela é. Inclusive, as crianças puderam compreender por meio desta vivência que Janaína carrega características físicas de sua família. Bem como aspectos de sua personalidade se tornaram mais evidentes, tendo em vista diferentes os modos de vida de seus ancestrais.

 Ainda, para conectar as crianças à história de Janaína, elas criaram uma caixa para coletar as memórias afetivas de suas próprias famílias. E, em votação, escolheram o nome Caixa Mágica de Memórias. As crianças compartilharam hábitos, falaram sobre o trabalho de seus familiares e o que gostam de fazer com cada um deles especificamente. Esse processo fomentou a vontade de enchermos a nossa caixa de memórias e criarmos novas histórias.

A música está muito presente em Kuami e não de forma a ilustrar as palavras e imagens do texto, mas enquanto elemento constituinte da narrativa. Ela também motiva a curiosidade de Janaína, que deseja conhecer outras musicalidades e instrumentos, e fortalece sua amizade com Kuami, dado o gosto e o interesse em comum. Porém, dentro do universo musical da obra, a cultura popular e, consequentemente, o samba tem um papel de destaque.

Além da personagem do maestro Cardial Pixinga, há alusões a muitos de nossos compositores: Paulinho da Viola Mágica, Ademilde Chorosa da Fonseca, Max Cavalleiro de Jorge, Arlindo Cruz do Firmamento Real. Este é apenas mais um dos novos saberes que Kuami proporciona à exploração das crianças. Logo, o samba vem sendo investigado pela Turma 5, do Ensino Fundamental, na aula de música com a nossa educadora especialista em música Thata Ozzeti.

Essa pesquisa ecoa uma fala do elefantinho Kuami: “Na minha terra, música e dança têm o mesmo nome. Então a gente ouve com o corpo inteiro.” Desta forma, além de conhecer os instrumentos que constituem o samba, as crianças têm experimentado seus ritmos e impulsos no corpo. Nessas dinâmicas, pandeiros, surdos, entre outros, passaram a fazer parte das aulas de música.

Estas são apenas três experiências significativas de aprendizagem, que procuram exemplificar o modo como desenvolvemos na prática a Pedagogia de Projetos. Neste semestre, todas estas elaborações estão sendo construídas, dia a dia, em diálogo com a obra Kuami, que está permeando todas as nossas investigações. No final do semestre, essas pesquisas se materializarão na nossa peça teatral, que este ano será adaptada para um curta-metragem. Quem mais está ansioso para ver o resultado desse experimento?